O mito de que os programas de código aberto são desenvolvidos por entusiastas, barbudos e com camisetas de bandas, no computador da casa dos pais é pitoresco e certamente tem bases reais – afinal, estes personagens existem mesmo – mas há bastante tempo não corresponde mais à realidade de boa parte dos softwares mais conhecidos.
Nada contra a importantíssima contribuição dos amadores, entre os quais orgulhosamente me incluo. Mas além de falsa, esta imagem comumente associada ao código aberto pode gerar indevidamente a ideia de amadorismo ou ausência de profissionalismo – duas condições cujos requisitos nem sempre se encontram no serviço de amadores competentes, mas cuja associação é, infelizmente, direta.
Pinguim de camisa de botão
Começando por um exemplo eloquente: 75% do desenvolvimento do kernel Linux é feito por profissionais pagos para isso, segundo levantamento realizado no início de 2010 e apresentado numa conferência internacional de seus desenvolvedores, realizada na Austrália.
Ou seja: os amadores entusiastas ainda são responsáveis por 25% do desenvolvimento, mas o restante é de profissionais atuando especificamente nesta área, atendendo a estratégias corporativas – todos eles coordenados por Linus Torvalds, que em 1991 criou o sistema na condição arquetípica do estudante trabalhando em um computador na casa de seus pais, mas hoje tem um papel bem diferente.
Discussão livre sobre código aberto.
E quem paga o contracheque destes 75% são empresas bastante conhecidas. Basta uma rápida visita à lista de integrantes da Linux Foundation para identificar que nomes como IBM, Intel, AMD, Google, HP e Motorola estão envolvidos neste empreendimento.
O caso do OpenOffice
Outro nome conhecido na mesma categoria é o OpenOffice, muitas vezes percebido e descrito como um projeto “da comunidade”, mas cujo código (que realmente é aberto) pertence à Oracle, tendo sido adquirido quando esta comprou a Sun, recentemente. Visite o site oficial do projeto e você verá o logo da Oracle discretamente posicionado no rodapé.
Parte considerável do seu desenvolvimento ocorre no âmbito das empresas envolvidas, ou coordenado por elas, embora haja complementos de natureza eminentemente comunitária, como o brasileiro BROffice, absolutamente corporativa como o Lotus Symphony, da IBM, ou ainda a recentemente anunciada dissidência LibreOffice – esta com participação corporativa de empresas como a Novell.
Os exemplos acima são de softwares adotados por corporações no interesse de dispor de controle sobre o sistema que rodará em seus equipamentos, ou de oferecer uma alternativa de aplicativo no estilo commodity para disponibilidade em suas plataformas.
Firefox: profissionalização comunitária
Mas existe o exemplo da profissionalização que ocorre no sentido oposto: partindo de um projeto comunitário cujo crescimento faz surgir a necessidade de organização no sentido corporativo.
Quem está na estrada há bastante tempo deve lembrar da campanha de popularização que houve na época do lançamento do Firefox 1.0, em 2004. Ela foi obra da Mozilla Foundation, entidade criada no ano anterior para ajudar a coordenar o desenvolvimento dessa família de aplicativos (que inclui o próprio Firefox e o cliente de e-mail Thunderbird, entre outros), a partir de código que havia sido aberto inicialmente em 1998.
Deu tão certo que o nome Firefox logo se tornou reconhecido, na época, como um navegador de alto nível de qualidade, recordes de downloads foram batidos, e a Mozilla Foundation precisou multiplicar sua organização, criando subsidiárias na Europa, Japão e China.
Logo depois, em 2005, devido aos entraves legais à captação de recursos financeiros por uma entidade sem fins lucrativos, a Mozilla Foundation fez surgir a Mozilla Corporation, 100% pertencente a ela (sem ações em bolsa ou qualquer mecanismo que permitisse dissolução de controle ou expectativas de dividendos) para poder captar recursos para investir no próprio projeto.
O mecanismo principal dessa captação de recursos são os acordos com mecanismos de busca: a cada vez que um usuário faz uso das caixas de pesquisa incluídas por default no Firefox, a Mozilla Co. ganha alguns centavos do Google, Yahoo, eBay e similares – assim como ocorre com os demais navegadores bem-sucedidos, mas dessa vez 100% aplicado no desenvolvimento do próprio projeto comunitário.
Concluindo
Essa estratégia da Mozilla vem dando mais certo do que alguns podem imaginar: em 2009, apesar da concorrência crescente de outros navegadores parcialmente em código aberto, a receita total do projeto cresceu 34% em relação ao ano anterior, e ultrapassou os 100 milhões de dólares – contra uma despesa anual de apenas 61 milhões com sua estrutura e os 250 desenvolvedores em sua folha de pagamento, deixando bom espaço para investir no crescimento.
Portanto, da próxima vez que vir o código aberto sendo descrito como algo mantido por amadores ou por aqueles “defensores” que ficam nos fóruns criticando as iniciativas alheias, lembre-se: o papel dos entusiastas no desenvolvimento é importante e não se extinguirá, mas a maioria das linhas de código de vários dos projetos de código aberto mais visíveis hoje vêm das mãos de profissionais!
Fonte: TechTudo (
http://www.techtudo.com.br/platb/linux/2010/12/15/codigo-aberto-profissional/)